O ministro Ricardo Lewandowski se aposentou oficialmente do Supremo Tribunal Federal (STF) hoje, 11 de abril, após 17 anos na Corte.
Seu legado é marcado por um perfil garantista, sendo contraponto em julgamentos importantes, como no caso do mensalão, beneficiando alvos da Operação Lava Jato e presidindo o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Ricardo Lewandowski nasceu no Rio de Janeiro e é bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, completando essa graduação em 1971, e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, formando-se em 1973. É mestre, doutor e livre-docente em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Na mesma instituição, é professor titular de Teoria Geral do Estado.
Antes de ingressar na magistratura, Lewandowski advogou de 1974 a 1990. No período, passou pela secretaria de Governo e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (1984 a 1988) e pela presidência da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A (Emplasa), de 1988 a 1989.
Em 1990, entrou na magistratura pelo Quinto Constitucional, como juiz no antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, permanecendo na função até 1997, quando foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2006, assumiu como ministro do STF, indicado no segundo mandato de Lula. Ele presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2010 e 2012 e o STF de 2014 até 2016.
Lewandowski foi o revisor do caso do mensalão, em que teve um papel de contraponto ao relator, ministro Joaquim Barbosa. No julgamento, por exemplo, votou para absolver o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.
Na Lava Jato, coube a Lewandowski a decisão que concedeu à defesa de Lula o acesso aos documentos da operação Spoofing da Polícia Federal, que mirou hackers que haviam invadido celulares de autoridades, como os então juiz Sergio Moro e procurador Deltan Dallagnol.
Nesse processo, a pedido dos advogados de Lula, Lewandowski declarou imprestáveis as provas obtidas a partir de informações do acordo de leniência da Odebrecht e vetou o seu uso para ações contra Lula originadas da Lava Jato. Essa decisão foi confirmada pela 2ª Turma do STF, em junho de 2022.
Foi com base nessa decisão que a defesa de Lula conseguiu encerrar as últimas pendências jurídicas do petista na Lava Jato. Em fevereiro deste ano, Lewandowski trancou as ações sobre doações e compra de um terreno para o Instituto Lula e sobre a compra de caças suecos pelo governo Dilma Rousseff (PT).
Além do acordo, as acusações contra Lula também usavam dados extraídos dos sistemas Drousys e MyWebDay, do chamado “Setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht. O material teria sido levado para perícia em sacolas de supermercados, “sem qualquer cuidado quanto à sua adequada preservação”, conforme Lewandowski.
O uso de elementos desse acordo como prova para denúncias foi invalidado pelo STF para processos contra Lula. Diversos implicados e réus, incluindo políticos, já conseguiram estender esses efeitos aos seus casos. Alguns exemplos são o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ex-senador Edison Lobão (MDB). Os mais recentes foram o ex-senador Edison Lobão, seu filho e sua nora e o almirante Othon Pinheiro da Silva. Eles tiveram as ações suspensas por Lewandowski em 14 de março.
Há ainda diversos pedidos de extensão pendentes de análise. Em tese, a avaliação final deve ficar com o substituto de Lewandowski, que herdará seu acervo. No entanto, vai depender quem for o escolhido.
Isso porque essa ação poderá ser redistribuída a outro magistrado. Um dos cotados para entrar no STF no lugar de Lewandowski é o advogado Cristiano Zanin, que defendeu Lula nos processos da Lava Jato e foi o autor dessa ação no STF.
Lewandowski também relatou o processo em que o STF, em 2012, julgou constitucional a adoção das cotas raciais para entrada nas universidades. O magistrado considerou a posição da Corte no caso como um “passo importante”, já que havia dúvida no Congresso sobre a constitucionalidade das ações afirmativas.
“Embora a decisão do STF se restringisse às cotas, foi uma decisão paradigmática, porque afastou dúvidas sobre a constitucionalidade das ações afirmativas. Depois disso várias outras ações de integração dos negros tiveram terreno mais fértil para surgir”, disse o ministro, durante homenagem em 2015.
Uma das ações que fez questão de lembrar quando anunciou sua aposentadoria, em 30 de março, foi a contribuição para implementar as audiências de custódia no país. O ministro disse ter “grande satisfação” do resultado.
“Isso é uma realidade hoje. Penso que foi um avanço civilizatório, claro que não fiz isso sozinho, fiz com apoio de colaboradores do Conselho Nacional de Justiça”, declarou.
A audiência de custódia consiste na apresentação de qualquer preso 24 horas a um juiz. “Isso é algo que não só contribui para impedir e evitar encarceramentos que não são devidos e podem ser tratados com outras medidas penais, mas também é um instrumento importante para que se possa prevenir e mesmo impedir a tortura daqueles que estão sob a custódia do Estado”.
A medida foi lançada quando Lewandowski ocupava a presidência do STF e do Conselho Nacional de Justiça, em 2015.
Na época em que presidiu o STF, entre 2014 e 2016, Lewandowski também conduziu o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Durante esse processo, o ministro manteve-se imparcial, garantindo o cumprimento das regras estabelecidas pela Constituição e legislação em vigor. Muitos especialistas elogiam a condução de Lewandowski, que se mostrou equilibrado e justo em suas decisões.
Lewandowski também teve um papel importante em questões relacionadas aos direitos trabalhistas. Em 2018, o ministro foi o relator de um processo no qual o STF julgou a constitucionalidade da terceirização, tanto para atividades-meio quanto para atividades-fim das empresas. A decisão, que teve o voto contrário de Lewandowski, ampliou a possibilidade de terceirização no Brasil.
O ministro também participou de julgamentos relevantes em outras áreas, como o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e a constitucionalidade da política de desapropriação de terras para fins de reforma agrária.
A aposentadoria de Lewandowski abre espaço para uma nova nomeação pelo presidente da República. Essa escolha terá um impacto significativo no equilíbrio de forças dentro do STF, já que o tribunal tem desempenhado um papel crucial na definição dos rumos políticos e jurídicos do Brasil nos últimos anos.
O legado de Lewandowski no STF é marcado por sua postura garantista, seu papel em importantes julgamentos e seu compromisso com a proteção dos direitos fundamentais. Sua atuação na Corte será lembrada como um exemplo de dedicação à justiça e à construção de um país mais igualitário e justo.